O ESTUDO DE INEQUAÇÕES DO 1º GRAU POR MEIO DE JOGOS DE CARTAS: INTERAÇÃO ESTÁGIO-PIBID
Apresentação
Frequentemente,
tenho-me deparado com estudantes do Ensino Médio que encontram dificuldades em
resolver exercícios relacionados à inequação do 1º grau pelo fato de não
estarem familiarizados com o uso de números misturados com incógnitas e
desigualdades. Alia-se a este, o fato de que
os alunos da atualidade já estão cansados dos métodos tradicionais de ensino
que os acomodam cognitivamente por não terem um papel ativo em sala de aula. Em face deste contexto, considerei que o uso de jogos
poderia ser uma ótima sugestão a ser testada pelos estudantes. Colaboraram também para esta minha decisão duas outras características
dos jogos: a) eles permitem que os estudantes possam se auto-avaliar e
interagir entre si; b) ao trabalhar atividades
lúdicas de forma planejada, o professor de Matemática pode despertar nos alunos
o interesse pela disciplina e colaborar também na formação e socialização dos
mesmos. A partir dessas considerações e tendo em
vista a minha participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência, formulei uma proposta de ensino que foi apresentada aos estudantes do 1º Ano “F” e estendida
às demais turmas do 1º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual Irmã Diva
Pimentel, em Barra do Garças, durante parte de minha extensão do Estágio Supervisionado III. A este respeito, cabe
elucidar que, no Curso de Licenciatura em Matemática do CUA/UFMT, as atividades
relacionadas ao estágio se dividem em três eixos: ensino, pesquisa e extensão. Também
é importante pontuar que tanto o professor orientador do PIBID quanto os
professores da área de Estágio têm incentivado que as ações relacionadas a esses
dois âmbitos formativos ocorram de forma integrada e complementar. De fato,
considerei que, para a realização do Estágio Supervisionado, seria bastante
oportuno aproveitar os aprendizados e experiências decorrentes de minha atuação
como bolsista PIBID. Afinal, se o estágio, como afirmam Pimenta e Lima (2008),
é uma atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção
na realidade, o PIBID também apresenta essas características, visto que este
programa promove e evidencia discussões e reflexões fundamentais, tecendo redes
de relações entre conhecimentos teóricos e práticos que são cotejados no
dia-a-dia da escola.
Caracterização da Escola
A Escola Estadual
Irmã Diva Pimentel está situada no bairro Santo Antônio, periferia da cidade de
Barra do Garças-MT. Seu perfil sócio-econômico é bem diversificado, mas a maior
parte dos alunos encontra-se situada na renda mínima, e aproximadamente 70%
dependem do Programa Bolsa Escola. A estrutura física da escola é adequada para
receber alunos com necessidades especiais, possui 15 salas disponíveis para
aulas, 1 sala de vídeo, 1 sala de apoio, biblioteca, laboratório de informática
com 40 computadores com internet, quadra coberta, laboratório de ciências, e
muito espaço para desenvolvimento de atividades diversificadas.
Fundamentação teórica
A busca pelo
aprendizado se faz de diversas formas, entretanto muitos alunos estão ainda
presos ao sistema de passividade que comumente se estabelece em grande parte
das escolas de nosso país. Sabemos que os recursos tecnológicos e pedagógicos
são grandes aliados dos professores para que haja o aperfeiçoamento e avanço do
ensino nas instituições, entretanto, seu uso ainda tem sido relativamente
restrito.
Em
especial, a ideia de se aplicar jogos pedagógicos em sala de
aula pode facilitar a compreensão dos estudantes em vários aspectos cognitivos
e os preparam também para a vida fora do ambiente escolar. Durante as
atividades lúdicas, eles tornam-se capazes de serem críticos, participativos,
desinibidos e de compartilhar saberes muitas vezes escondidos de si mesmos pela
falta de oportunidade de demonstrar o que sabem. Um fato interessante que
podemos destacar é que, por meio da realização dos jogos matemáticos, o
professor pode perceber as dúvidas inerentes a cada aluno, algo que raramente
pode ser notado durante as aulas tradicionais.
De acordo com
Grando (1995), a utilização de jogos no processo de ensino-aprendizagem pode
atingir diversas finalidades, entre elas, a autora destaca:
A fixação de
conceitos, a motivação, a construção de conceito, aprender a trabalhar em
grupo, propiciando solidariedade entre os alunos, estimular a raciocinar,
desenvolver o senso crítico, a disposição para aprender, e descobrir coisas
novas, além do desenvolvimento da cidadania. (GRANDO 1995, p. 86)
As
palavras da autora indicam que o uso de jogos nas aulas as tornam mais
proveitosas quando acontece essa interação em sala de aula, por meio dos quais
podemos verificar um breve afastamento da mesmice.
Vários conteúdos matemáticos podem ser abordados com o uso de
jogos
e entre eles, neste trabalho, destaco o conteúdo de Inequação do 1º grau.
As inequações
são de grande importância no ensino da matemática e podem ser descritas a
partir de Bazzini e Tsamir (2001):
Inequalities play an important role
in mathematics. They are part of various mathematical topics including algebra,
trigonometry, linear planning and the investigation of functions. They also
provide a complementary perspective to equations. Accordingly, The American
Standards documents specify that all students in Grades 9-12 should learn to
represent situations that involve equations, inequalities and matrices (Tsamir
e Bazzini 2001, p.58).
O eixo
estruturador Geometria e Medidas dos Parâmetros
Curriculares Nacionais inclui um trecho que, de maneira explícita,
relata a importância da ferramenta inequação:
A unidade
Geometria analítica tem como função tratar algebricamente as propriedades e os
elementos geométricos. O aluno do ensino médio terá a oportunidade de conhecer
essa forma de pensar que transforma problemas geométricos na resolução de
equações, sistemas ou inequações. (BRASIL, 2002, p. 124).
Boero e Bazzini
(2004) consideram o assunto inequações importante, entretanto difícil para os
estudantes, além de pouco considerado por pesquisadores até aquele ano. Segundo
os autores, as inequações são tratadas de forma subordinada em relação às
equações, em diversos países. Isso se justifica pelo fato de muitos professores
conduzirem o processo de ensino-aprendizagem por meio da memorização, podendo
levar os alunos a ficarem desesperados para lidarem com inequações de outras
maneiras.
Por sua vez,
Fontalva (2006), ao desenvolver uma pesquisa com o intuito de apurar as
dificuldades de alguns alunos do Ensino Médio com as inequações, destaca que
tais dificuldades devem ser constatadas, relacionadas e devem ser utilizados
procedimentos que levem à sua solução. Então, neste contexto, torna-se bastante oportuno abordar
as inequações do 1º grau com a aplicação de atividades lúdicas em sala de aula.
Descrição da experiência
Em minha atuação
junto aos alunos do 1º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual Irmã Diva
Pimentel, pude detectar certas dificuldades de alguns deles durante a resolução
das inequações do 1º grau. Dentre elas, menciono o esquecimento da troca de
sinal de desigualdade quando se multiplica por “menos um” de ambos os lados nos
casos em que o sinal negativo aparece acompanhando o coeficiente angular e a
confusão ao se trabalhar números misturados com incógnitas.
Pensando nesta e
em outras situações pertinentes ao conteúdo e ao uso
dos jogos para o ensino-aprendizagem da matemática, confeccionei o jogo
de cartas “Conjunto Verdade”. Ele é uma adaptação do jogo “Pares Fora”, sugerido por Maria de Fátima Lins Barbosa de Paiva Almeida e
Uyanna Souza Silva, ambas da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ).
O jogo “Conjunto
Verdade” consta de 28 cartas que obedecem ao modelo abaixo:
Figura 1: Cartas
do jogo.
As cartas devem
ser distribuídas igualmente entre quatro grupos. Um dos grupos dará início ao jogo comprando uma carta do adversário
situado à sua direita. Após a compra da carta, o grupo deve descartar todos os
pares formados, sendo que um par consiste numa inequação e seu respectivo
conjunto verdade. O grupo do qual foi retirada uma carta deve comprar uma carta
do grupo à sua direita e descartar os pares que tiver em mãos e assim
sucessivamente até que algum dos grupos fique sem nenhuma carta. Este será o
vencedor.
De acordo com
Rizzo (2010), “... o material permite que sejam feitas algumas alterações nas
regras para adequá-lo a faixas de idade inferior ou superior, conforme seja o
desejo ou necessidade do profissional que vai aplicá-lo". Além disto, este jogo,assim como outros do gênero, ao levar
os alunos a vivenciarem uma nova perspectiva de aprendizagem, os instiga
a encontrarem as soluções que satisfazem as inequações dadas. Mas a escolha deste jogo em particular levou em
consideração também o fato de que ele poderia ser feito com materiais
recicláveis e de baixo custo.
Com o uso do
jogo “Conjunto Verdade”, antes de apresentar técnicas para a resolução das
inequações, induzi os estudantes a solucioná-las por tentativas para que se
atenham inicialmente ao significado de resolvê-las, focando a atenção em
satisfazer as desigualdades. Percebi que, no decorrer da partida, os alunos
tornam-se mais observadores, participativos e capazes de encontrarem as
soluções de maneira mais rápida. O método utilizado em sala de aula serve
também como diagnóstico de aprendizagem para avaliar coletivamente os
estudantes, permitindo ao professor perceber se eles
estão realmente aprendendo o conteúdo e mesmo que algum dos grupos enfrente
dificuldades em resolver as inequações o fato de jogar diversas vezes facilita
na compreensão do conteúdo por parte dos estudantes e
contribui para que o professor possa avaliar esta evolução.
As experiências
vivenciadas durante quase dois anos como bolsista PIBID fizeram com que eu
pudesse enfrentar uma sala de aula com novas perspectivas, ficando atento à
realidade dos estudantes e procurando na medida do possível entender as
dificuldades inerentes a cada um e tentar amenizá-las. Graças a esse fator
positivo, desenvolvi as minhas aulas de Estágio de maneira tranquila,
interativa e focando na participação dos meus alunos. O fato de ter um pleno
conhecimento do ambiente escolar contribui bastante para a vida de um
estagiário que, sem dúvida, entra muitas vezes em desespero ao se deparar com
uma ou várias turmas em condição adversa.
Avaliação dos resultados
Com esta proposta
de ensino, os estudantes desenvolvem suas habilidades de cálculo e obtêm os
resultados das inequações com maior agilidade,
descartando a necessidade de memorizar fórmulas. No
jogo, eles descobrem outras maneiras de se chegar a um mesmo resultado,
usando o raciocínio lógico e aperfeiçoando sua atuação em sala de aula. Foi possível
perceber também que um mesmo jogo, aplicado mais de uma vez, leva o
aluno a criar estratégias diversas a partir do aparecimento de novas situações.
Assim, o uso dos jogos para o ensino-aprendizagem das
inequações de 1º grau transformou em prática o discurso de que os alunos
devem participar efetivamente das aulas como formadores de opinião, como pessoas autônomas que influenciam de modo decisivo na
sua própria aprendizagem e na dos colegas.
O entusiasmo dos
alunos em sala de aula frente ao recurso lúdico me proporcionou bastante
satisfação e inspirou-me confiança ao explicar o conteúdo. Comparando-se tal
aula provida de atividade lúdica com as outras nas
quais o uso do jogo não pôde ser realizado, ficam
notórias as diferenças de aprendizagem.
Considerações finais
Ensinar é algo que nos faz sentir
bem perante os educandos e isto se torna ainda mais relevante quando conseguimos encontrar meios de fazer com que os estudantes
se tornem mais participativos e autônomos na sala de aula. Fazer com que
os estudantes interajam em sala de aula tanto com seus colegas quanto com o
professor demonstra um ensino de qualidade e livre da passividade, dando
segurança a todos os envolvidos na aprendizagem.
Durante as
aulas, pude aprender muito com os alunos e isso é importante na carreira de um
educador. Procurar inovar os conhecimentos já existentes diversifica as aulas e
as tornam menos cansativas. O planejamento das
aulas é primordial em qualquer circunstância de ensino-aprendizagem. Sendo
assim, a utilização consciente de jogos leva o educando a ter motivação e
facilita a apropriação cognitiva.
Referências
BAZZINI, L.;
TSAMIR, P.Can x=3 be the solution of an
inequality? A study of the Italian and Israel students. Educ. Mat.
Pesquisa. São Paulo, 2001, vol.3, n.1,p.57-67.
BOERO,
P.; BAZZINI, L. Inequalities in
Mathematics Education: The need for complementary perspectives. Proceedingsof
PME 28, 2004, P.139-142.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias. Brasília, 2002, p.124.
FONTALVA, G. M. Um
estudo sobre inequações entre alunos do Ensino Médio. São Paulo:
Dissertação de Mestrado. Orientadora: Maria Cristina Souza de Albuquerque
Maranhão. PUC, 2006.
GRANDO, Célia R. O Jogo e suas Possibilidades Metodológicas no Processo
Ensino-Aprendizagem da Matemática. Dissertação de Mestrado. UNICAMP:
Campinas, 1995.
RIZZO, Gilda. Jogos
Inteligentes: a construção do raciocínio na escola natural. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil,2010.
** Coordenador de área do PIBID do
curso de Licenciatura em Matemática da UFMT/Araguaia, admursp@hotmail.com
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