9 de abril de 2014

O ESTUDO DE INEQUAÇÕES DO 1º GRAU POR MEIO DE JOGOS DE CARTAS: INTERAÇÃO ESTÁGIO-PIBID

Sérgio da Costa Kaisa *
Admur Severino Pamplona**


Apresentação
Frequentemente, tenho-me deparado com estudantes do Ensino Médio que encontram dificuldades em resolver exercícios relacionados à inequação do 1º grau pelo fato de não estarem familiarizados com o uso de números misturados com incógnitas e desigualdades. Alia-se a este, o fato de que os alunos da atualidade já estão cansados dos métodos tradicionais de ensino que os acomodam cognitivamente por não terem um papel ativo em sala de aula. Em face deste contexto, considerei que o uso de jogos poderia ser uma ótima sugestão a ser testada pelos estudantes. Colaboraram também para esta minha decisão duas outras características dos jogos: a) eles permitem que os estudantes possam se auto-avaliar e interagir entre si; b) ao trabalhar atividades lúdicas de forma planejada, o professor de Matemática pode despertar nos alunos o interesse pela disciplina e colaborar também na formação e socialização dos mesmos. A partir dessas considerações e tendo em vista a minha participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, formulei uma proposta de ensino que foi apresentada aos estudantes do 1º Ano “F” e estendida às demais turmas do 1º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual Irmã Diva Pimentel, em Barra do Garças, durante parte de minha extensão do Estágio Supervisionado III. A este respeito, cabe elucidar que, no Curso de Licenciatura em Matemática do CUA/UFMT, as atividades relacionadas ao estágio se dividem em três eixos: ensino, pesquisa e extensão. Também é importante pontuar que tanto o professor orientador do PIBID quanto os professores da área de Estágio têm incentivado que as ações relacionadas a esses dois âmbitos formativos ocorram de forma integrada e complementar. De fato, considerei que, para a realização do Estágio Supervisionado, seria bastante oportuno aproveitar os aprendizados e experiências decorrentes de minha atuação como bolsista PIBID. Afinal, se o estágio, como afirmam Pimenta e Lima (2008), é uma atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, o PIBID também apresenta essas características, visto que este programa promove e evidencia discussões e reflexões fundamentais, tecendo redes de relações entre conhecimentos teóricos e práticos que são cotejados no dia-a-dia da escola.

Caracterização da Escola

A Escola Estadual Irmã Diva Pimentel está situada no bairro Santo Antônio, periferia da cidade de Barra do Garças-MT. Seu perfil sócio-econômico é bem diversificado, mas a maior parte dos alunos encontra-se situada na renda mínima, e aproximadamente 70% dependem do Programa Bolsa Escola. A estrutura física da escola é adequada para receber alunos com necessidades especiais, possui 15 salas disponíveis para aulas, 1 sala de vídeo, 1 sala de apoio, biblioteca, laboratório de informática com 40 computadores com internet, quadra coberta, laboratório de ciências, e muito espaço para desenvolvimento de atividades diversificadas.

Fundamentação teórica
A busca pelo aprendizado se faz de diversas formas, entretanto muitos alunos estão ainda presos ao sistema de passividade que comumente se estabelece em grande parte das escolas de nosso país. Sabemos que os recursos tecnológicos e pedagógicos são grandes aliados dos professores para que haja o aperfeiçoamento e avanço do ensino nas instituições, entretanto, seu uso ainda tem sido relativamente restrito.
Em especial, a ideia de se aplicar jogos pedagógicos em sala de aula pode facilitar a compreensão dos estudantes em vários aspectos cognitivos e os preparam também para a vida fora do ambiente escolar. Durante as atividades lúdicas, eles tornam-se capazes de serem críticos, participativos, desinibidos e de compartilhar saberes muitas vezes escondidos de si mesmos pela falta de oportunidade de demonstrar o que sabem. Um fato interessante que podemos destacar é que, por meio da realização dos jogos matemáticos, o professor pode perceber as dúvidas inerentes a cada aluno, algo que raramente pode ser notado durante as aulas tradicionais.
De acordo com Grando (1995), a utilização de jogos no processo de ensino-aprendizagem pode atingir diversas finalidades, entre elas, a autora destaca:
A fixação de conceitos, a motivação, a construção de conceito, aprender a trabalhar em grupo, propiciando solidariedade entre os alunos, estimular a raciocinar, desenvolver o senso crítico, a disposição para aprender, e descobrir coisas novas, além do desenvolvimento da cidadania. (GRANDO 1995, p. 86)

As palavras da autora indicam que o uso de jogos nas aulas as tornam mais proveitosas quando acontece essa interação em sala de aula, por meio dos quais podemos verificar um breve afastamento da mesmice.
Vários conteúdos matemáticos podem ser abordados com o uso de jogos e entre eles, neste trabalho, destaco o conteúdo de Inequação do 1º grau.
As inequações são de grande importância no ensino da matemática e podem ser descritas a partir de Bazzini e Tsamir (2001):
Inequalities play an important role in mathematics. They are part of various mathematical topics including algebra, trigonometry, linear planning and the investigation of functions. They also provide a complementary perspective to equations. Accordingly, The American Standards documents specify that all students in Grades 9-12 should learn to represent situations that involve equations, inequalities and matrices (Tsamir e Bazzini 2001, p.58).

O eixo estruturador Geometria e Medidas dos Parâmetros Curriculares Nacionais inclui um trecho que, de maneira explícita, relata a importância da ferramenta inequação:
A unidade Geometria analítica tem como função tratar algebricamente as propriedades e os elementos geométricos. O aluno do ensino médio terá a oportunidade de conhecer essa forma de pensar que transforma problemas geométricos na resolução de equações, sistemas ou inequações. (BRASIL, 2002, p. 124).

Boero e Bazzini (2004) consideram o assunto inequações importante, entretanto difícil para os estudantes, além de pouco considerado por pesquisadores até aquele ano. Segundo os autores, as inequações são tratadas de forma subordinada em relação às equações, em diversos países. Isso se justifica pelo fato de muitos professores conduzirem o processo de ensino-aprendizagem por meio da memorização, podendo levar os alunos a ficarem desesperados para lidarem com inequações de outras maneiras.
Por sua vez, Fontalva (2006), ao desenvolver uma pesquisa com o intuito de apurar as dificuldades de alguns alunos do Ensino Médio com as inequações, destaca que tais dificuldades devem ser constatadas, relacionadas e devem ser utilizados procedimentos que levem à sua solução. Então, neste contexto, torna-se bastante oportuno abordar as inequações do 1º grau com a aplicação de atividades lúdicas em sala de aula.

Descrição da experiência
Em minha atuação junto aos alunos do 1º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual Irmã Diva Pimentel, pude detectar certas dificuldades de alguns deles durante a resolução das inequações do 1º grau. Dentre elas, menciono o esquecimento da troca de sinal de desigualdade quando se multiplica por “menos um” de ambos os lados nos casos em que o sinal negativo aparece acompanhando o coeficiente angular e a confusão ao se trabalhar números misturados com incógnitas.
Pensando nesta e em outras situações pertinentes ao conteúdo e ao uso dos jogos para o ensino-aprendizagem da matemática, confeccionei o jogo de cartas “Conjunto Verdade”. Ele é uma adaptação do jogo “Pares Fora”, sugerido por Maria de Fátima Lins Barbosa de Paiva Almeida e Uyanna Souza Silva, ambas da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ).
O jogo “Conjunto Verdade” consta de 28 cartas que obedecem ao modelo abaixo:


Figura 1: Cartas do jogo.

As cartas devem ser distribuídas igualmente entre quatro grupos. Um dos grupos dará início ao jogo comprando uma carta do adversário situado à sua direita. Após a compra da carta, o grupo deve descartar todos os pares formados, sendo que um par consiste numa inequação e seu respectivo conjunto verdade. O grupo do qual foi retirada uma carta deve comprar uma carta do grupo à sua direita e descartar os pares que tiver em mãos e assim sucessivamente até que algum dos grupos fique sem nenhuma carta. Este será o vencedor.
De acordo com Rizzo (2010), “... o material permite que sejam feitas algumas alterações nas regras para adequá-lo a faixas de idade inferior ou superior, conforme seja o desejo ou necessidade do profissional que vai aplicá-lo". Além disto, este jogo,assim como outros do gênero, ao levar os alunos a vivenciarem uma nova perspectiva de aprendizagem, os instiga a encontrarem as soluções que satisfazem as inequações dadas. Mas a escolha deste jogo em particular levou em consideração também o fato de que ele poderia ser feito com materiais recicláveis e de baixo custo.
Com o uso do jogo “Conjunto Verdade”, antes de apresentar técnicas para a resolução das inequações, induzi os estudantes a solucioná-las por tentativas para que se atenham inicialmente ao significado de resolvê-las, focando a atenção em satisfazer as desigualdades. Percebi que, no decorrer da partida, os alunos tornam-se mais observadores, participativos e capazes de encontrarem as soluções de maneira mais rápida. O método utilizado em sala de aula serve também como diagnóstico de aprendizagem para avaliar coletivamente os estudantes, permitindo ao professor perceber se eles estão realmente aprendendo o conteúdo e mesmo que algum dos grupos enfrente dificuldades em resolver as inequações o fato de jogar diversas vezes facilita na compreensão do conteúdo por parte dos estudantes e contribui para que o professor possa avaliar esta evolução.
As experiências vivenciadas durante quase dois anos como bolsista PIBID fizeram com que eu pudesse enfrentar uma sala de aula com novas perspectivas, ficando atento à realidade dos estudantes e procurando na medida do possível entender as dificuldades inerentes a cada um e tentar amenizá-las. Graças a esse fator positivo, desenvolvi as minhas aulas de Estágio de maneira tranquila, interativa e focando na participação dos meus alunos. O fato de ter um pleno conhecimento do ambiente escolar contribui bastante para a vida de um estagiário que, sem dúvida, entra muitas vezes em desespero ao se deparar com uma ou várias turmas em condição adversa.

Avaliação dos resultados
Com esta proposta de ensino, os estudantes desenvolvem suas habilidades de cálculo e obtêm os resultados das inequações com maior agilidade, descartando a necessidade de memorizar fórmulas. No jogo, eles descobrem outras maneiras de se chegar a um mesmo resultado, usando o raciocínio lógico e aperfeiçoando sua atuação em sala de aula. Foi possível perceber também que um mesmo jogo, aplicado mais de uma vez, leva o aluno a criar estratégias diversas a partir do aparecimento de novas situações. Assim, o uso dos jogos para o ensino-aprendizagem das inequações de 1º grau transformou em prática o discurso de que os alunos devem participar efetivamente das aulas como formadores de opinião, como pessoas autônomas que influenciam de modo decisivo na sua própria aprendizagem e na dos colegas.
O entusiasmo dos alunos em sala de aula frente ao recurso lúdico me proporcionou bastante satisfação e inspirou-me confiança ao explicar o conteúdo. Comparando-se tal aula provida de atividade lúdica com as outras nas quais o uso do jogo não pôde ser realizado, ficam notórias as diferenças de aprendizagem.

Considerações finais
Ensinar é algo que nos faz sentir bem perante os educandos e isto se torna ainda mais relevante quando conseguimos encontrar meios de fazer com que os estudantes se tornem mais participativos e autônomos na sala de aula. Fazer com que os estudantes interajam em sala de aula tanto com seus colegas quanto com o professor demonstra um ensino de qualidade e livre da passividade, dando segurança a todos os envolvidos na aprendizagem.
Durante as aulas, pude aprender muito com os alunos e isso é importante na carreira de um educador. Procurar inovar os conhecimentos já existentes diversifica as aulas e as tornam menos cansativas. O planejamento das aulas é primordial em qualquer circunstância de ensino-aprendizagem. Sendo assim, a utilização consciente de jogos leva o educando a ter motivação e facilita a apropriação cognitiva.

Referências

BAZZINI, L.; TSAMIR, P.Can x=3 be the solution of an inequality? A study of the Italian and Israel students. Educ. Mat. Pesquisa. São Paulo, 2001, vol.3, n.1,p.57-67.

BOERO, P.; BAZZINI, L. Inequalities in Mathematics Education: The need for complementary perspectives. Proceedingsof PME 28, 2004, P.139-142.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília, 2002, p.124.

FONTALVA, G. M. Um estudo sobre inequações entre alunos do Ensino Médio. São Paulo: Dissertação de Mestrado. Orientadora: Maria Cristina Souza de Albuquerque Maranhão. PUC, 2006.

GRANDO, Célia R. O Jogo e suas Possibilidades Metodológicas no Processo Ensino-Aprendizagem da Matemática. Dissertação de Mestrado. UNICAMP: Campinas, 1995.

RIZZO, Gilda. Jogos Inteligentes: a construção do raciocínio na escola natural. 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2010.




* Bolsista PIBID do curso de Licenciatura em Matemática da UFMT/Araguaia, sergiokaisa@hotmail.com
** Coordenador de área do PIBID do curso de Licenciatura em Matemática da UFMT/Araguaia, admursp@hotmail.com